voltar a Vivekananda

Ética, raiva e crítica

Se nossa vida é apenas um curto espetáculo e o universo apenas uma "combinação fortuita de átomos", então por que eu deveria fazer o bem a outrem? Por que deveria haver misericórdia, justiça ou solidariedade? O melhor seria aproveitar as oportunidades, cada um por si. Por que eu deveria amar meu irmão, e não cortar sua garganta? Por que eu não deveria causar a maior das infelicidades para o maior número de pessoas, se isto servisse meus propósitos?

Como se sabe o que é certo e o que é errado? Meu desejo de ser feliz me impulsiona; e eu o satisfaço, porque essa é minha natureza. Por que alguém iria reclamar?

De onde a ética deriva sua autoridade

De onde vêm todas essas verdades acerca da vida humana, da moralidade, da alma imortal, de Deus, acerca do amor e da atração pela idéia da bondade e, acima de tudo, pela idéia do altruísmo?

Toda ética, toda ação e todo pensamento humanos derivam desta única idéia, a do altruísmo. Por que deveríamos ser altruístas? Onde estão a necessidade, a força, o poder do altruísmo? Pedir a alguém que seja altruísta pode ser bom como poesia, mas poesia não é razão.

O fato de alguém me dizer para ser altruísta não significa nada para mim. De onde aqueles que pregaram o altruísmo, e o ensinaram à raça humana, tomaram essa idéia? Sabemos que ela não é instintiva; os animais, que possuem instinto, não a conhecem.

O atman é o fundamento de todas as coisas

 

Enquanto os filósofos da Vedanta buscavam solucionar essa questão, descobriram as bases da ética. Embora todas as religiões ensinem preceitos éticos, tais como "Não matar, não ferir; amar o próximo como a si mesmo", etc., nenhuma delas dá a razão para tal. Por que eu não deveria ferir meu vizinho? Para essa pergunta não havia nenhuma resposta satisfatória ou conclusiva em vista, até que ela surgisse das especulações metafísicas dos hindus.

Os hindus dizem que o atman é absoluto e permeia tudo, sendo assim infinito. Não pode haver dois infinitos, pois eles se limitariam um ao outro e se tornariam finitos. Cada alma individual" é, também, uma parte da Alma Universal. Assim, ao ferir seu próximo, o indivíduo fere a si próprio. Essa é a verdade metafísica fundamental subjacente a todos os códigos de ética.

O objetivo da ética

O trabalho da ética tem sido, e será, não a destruição da variedade, mas o reconhecimento da unidade, a despeito de todas as variações; o reconhecimento do Deus interior, a despeito de tudo que nos amedronta; o reconhecimento daquela força infinita como propriedade de todos, a despeito da aparente fraqueza; e o reconhecimento da pureza eterna, infinita e essencial da alma, a despeito de tudo que apareça em contrário na superfície.

 

Reflexões Sobre a Crítica

Como trabalha uma mente estreita

Quando criticamos alguém, ingenuamente tomamos um aspecto brilhante de nós mesmos, como se ele representasse a totalidade de nossa vida, e o comparamos com o lado escuro da vida do outro.

É até provável que boa parte de nossas críticas seja justa e correta. Mas é possível também que algum dia venhamos a perceber que elas se originam do fato de não gostarmos de certas pessoas.

O superficial não permanece

O mundo às vezes precisa de críticas, e algumas vezes precisa de críticas bastante duras. Mas as críticas devem ser momentâneas, pois o trabalho para a eternidade é o trabalho do progresso e da construção e não o da critica e da destruição...

Saibamos que tudo o que é negativo, tudo o que é destrutivo, tudo o que é mera crítica, está fadado a desaparecer. O positivo, o afirmativo e o construtivo é que permanecerão para sempre.

A necessidade de nos refinarmos

Você não deve criticar os outros. Você deve criticar-se a si mesmo. Aquele que não está na escuridão não vê escuridão nos outros. O que você tem dentro de si é aquilo que você vê nos outros... Reflita bem sobre essa idéia.

Lembre-se de que os maus são sempre os mesmos em todo o mundo. O ladrão e o assassino são os mesmos na Ásia, na Europa e na América. Eles formam por si só uma nação. É apenas no bom, no puro e no forte que se encontra a variedade.

A verdadeira ajuda vem do amor

Todos os avanços que foram realmente conquistados no mundo foram conquistados pelo amor.

A crítica, por si só, não é capaz de fazer nenhum bem, ainda que venha sendo praticada por milhares de anos. Estenda a sua ajuda a todos aqueles que buscam o caminho correto. Quando, ao contrário, perceber que estão agindo de forma incorreta, mostre seus erros com delicadeza... O amor nunca denuncia. Somente a ambição o faz.

Sobre a Raiva

A raiva é destrutiva

"Ao pensar nos objetos, o homem desenvolve o apego; do apego surge o desejo; e do desejo frustrado nasce a raiva..."

 

Toda a maldade da natureza humana tem origem na raiva, que excita os nervos, transformando os seres humanos em feras.

As boas obras são freqüentem ente prejudicadas pelas toneladas de raiva e ódio despejadas no mundo.

A pessoa que fica irada nunca chega a realizar um grande trabalho. Aquele que se entrega à raiva, ao ódio ou a alguma outra paixão não consegue trabalhar; não faz senão dilacerar-se, sem nada produzir. É a mente calma, inclinada ao perdão, equânime e equilibrada que se torna verdadeiramente produtiva.

As vantagens do autocontrole

Cada vez que nós suprimimos um sentimento de ódio ou de raiva, conseguimos armazenar a nosso favor uma grande quantidade de boa energia, que será convertida em poderes mais elevados. Cada onda de paixão que conseguimos dominar é um crédito a nosso favor.

Portanto, é uma boa política não retribuir a raiva com a raiva -conforme toda verdadeira moral -, pois a raiva significa perda de energia para aquele que a sente. Por isso você não deveria permitir à sua mente associar-se a esses estados de

raiva e ódio,

A psicologia da identificação e como romper com ela

O que faz a Alma associar-se a tudo isso? Diferentes ondas mentais se levantam e cobrem a Alma; passamos então a ver apenas um pequeno reflexo da Alma através dessas ondas.

Se for uma onda de raiva, vemos a Alma enraivecida: "Eu estou com raiva", diz alguém. Se a onda é de amor, nós nos vemos refletidos nessa onda... Uma pessoa me diz algo muito áspero e eu começo a esquentar-me; e essa pessoa continua até que eu me sinta totalmente enraivecido e esqueça de mim mesmo, identificando-me com a raiva.

Quando ela começou a me provocar, eu pensei: 'Vou ficar com raiva". Até aquele momento a raiva era uma coisa e eu era outra; mas quando fiquei enraivecido, eu era a raiva.

É em sua própria raiz, em suas formas sutis, que esses sentimentos devem ser controlados; e a meditação é um dos grandes meios para controlar o surgimento dessas ondas, Pela meditação você pode fazer a mente dominá-las; e se você continuar praticando a meditação por dias, meses e anos, até que ela se torne um hábito, até que ela aconteça sem você querer, a raiva e o ódio serão controlados e derrotados.

Swami Vivekananda (1863-1902)

 

voltar a Vivekananda